terça-feira, 31 de outubro de 2006
Lula e Energia: Disparates e imprecisões
Todos temos dias maus, como dizia há dias um secretário de estado a procurar justificar o injustificável. Também é verdade que os disparates e as imprecisões em meios de comunicação são infelizmente correntes. Mas pela concentração de casos destes, com certeza que o Diário de Notícias de 2006.10.30 estava num dia mau. Principalmente nos gráficos e nos conceitos científicos. Senão vejamos:
No bloco informativo sobre a reeleição de Lula no Brasil, é apresentado um gráfico muito bem feito e muito explícito sobre a evolução, em percentagem, dos 2 candidatos que foram à 2.ª volta, nas sondagens e nos resultados. Resta saber em percentagem de quê. Parece evidente que será a percentagem de intenções de voto nas sondagens e de votos reais nos resultados. Mas que votos foram escolhidos para 100%? A pergunta é pertinente, pois parece haver uma incongruência flagrante, pois se os resultados da 2.ª volta somados dos 2 candidatos somam 100%, isso indica que são percentagens de votos validamente expressos, isto é, excluindo os brancos e nulos. No entanto o mesmo critério não foi seguido para os números das sondagens, já que nunca somam 100%. Então os números não são comparáveis e não deveriam figurar no mesmo gráfico. Eu diria mesmo que não seria demasiado pedir que os valores apresentados sob forma gráfica sejam sempre definidos de modo a poderem ser bem interpretados.
No suplemento de economia (página VI do bloco "Especial Conferência DN Energia"), é apresentado um gráfico sobre "Dependência energética da União Europeia". Também muito bem feito e muito explícito. Pena é que se definam os valores apresentados para cada país como "Diferença entre o consumo e as importações líquidas". Os valores são dados em percentagem e novamente ficamos sem saber de quê. Parece ser percentagem do consumo, o que aliás é lógico para indicar a dependência energética e é confirmado pelo texto. Mas então não é uma diferença. Se por cada 100 unidades consumidas, importamos 99,40 - no caso de Portugal, para exemplificar - a nossa dependência é efectivamente 99,40%, mas isto não é uma diferença, é uma proporção. A diferença entre o consumo interno e as importações líquidas é 0,60% do consumo (100 - 99,40 = 0,60, não é?). Além disso, estranhei o valor negativo da Dinamarca, mas o texto elucidou-me explicando que este país tem um excedente energético. Aprendi pois que quando as exportações excedem as importações se chama importação líquida negativa. Já mais difícil de compreender é o valor superior a 100% do Chipre. Se importa mais recursos energéticos do que consome, o que fará aos 5,5% restantes?
Duas paginas adiante, ainda sobre o mesmo assunto, as unidades de produção, consumo e importação de electricidade são GHh! O H é o símbolo do henry, unidade de indutância. Gigahenrys.hora? Deverá ser, evidentemente, GWh (gigawatts.hora). Uma gralha é natural e desculpável. Mas mais abaixo, no gráfico de "Importações líquidas de energia", em que compara o consumo, as importações e a dependência per capita da Europa a 25 com os de Portugal em equivalentes de tonelada de petróleo, o consumo é inferior às importações. Então para que importamos tanto? Mas repete que a dependência é 99,4% (ao menos neste número é coerente com o artigo anterior). Claro que se os números estivessem certos, Portugal seria excedentário, como a Dinamarca. É indicada que a fonte é o Eurostat, mas parece-me que há qualquer erro na apresentação.
Mas a minha estupefacção não tinha terminado. Na última página do caderno de economia, a propósito da central solar da Amareleja, afirma-se: "Esta central irá produzir 88 gigawatts/hora de energia solar". Ora o que a central vai produzir é energia eléctrica. A origem é solar, mas quem produz energia solar é o Sol; as centrais solares, como as outras centrais produtoras, produzem energia eléctrica, ou melhor, neste caso transformam a energia solar (radiação) em energia eléctrica. Mais grave é o dado da produção: 88 gigawatts/hora! Ora a potência de uma central mede-se em watts, ou megawatts ou gigawatts. O "por hora" está pura e simplesmente errado. É como seu eu dissesse que a potência do meu automóvel é de 100 cavalos por hora ou que eu peso 60 kg/h. Ao fim dumas horas, imaginem a que potência chegaríamos! Mas o próprio valor de 88 gigawatts parece fora da ordem de grandeza do possível. Com base nos valores do mesmo suplemento, página VIII, o consumo de electricidade em Portugal é de 47959 GWh (a acreditar, como disse atrás, que o H resulta de uma gralha e não são GHh), entende-se que por ano. Ora o ano tem 8760 horas. Portanto a potência média consumida é de 5,5 GW. A potência da central da amareleja seria então 16 vezes o consumo total do país! Felizmente, acabei de ouvir no Telejornal que serão 88 megawatts e não gigawatts. Portanto duplo erro.
Mais tarde, na SIC Notícias, acertaram no número, mas erraram também nas unidades: "A central produzirá, numa primeira fase, 64 megawatts por hora." (Cito de memória; as palavras poderão não ter sido exactamente estas). Quando é que os senhores jornalistas que escrevem e falam sobre estes assuntos aprenderão que megawatts por hora é um grande disparate. A potência é um dado intemporal. A energia é que pode ser medida por unidade de tempo, como os nossos consumos domésticos de electricidade, que são dados em watts.hora.
Voltando ao suplemento do Diário de Notícias, uma crítica de outra ordem, não sobre aspectos formais mas sobre o próprio conteúdo, é a referência às alternativas energéticas, com depoimentos de vários especialistas nas páginas X e XI. Não consegui ver nem uma referência a custos comparados. Parece-me esta ausência uma falha importante, pois não permite que o leitor tenha uma visão fundamentada da viabilidade das diferentes alternativas.
No bloco informativo sobre a reeleição de Lula no Brasil, é apresentado um gráfico muito bem feito e muito explícito sobre a evolução, em percentagem, dos 2 candidatos que foram à 2.ª volta, nas sondagens e nos resultados. Resta saber em percentagem de quê. Parece evidente que será a percentagem de intenções de voto nas sondagens e de votos reais nos resultados. Mas que votos foram escolhidos para 100%? A pergunta é pertinente, pois parece haver uma incongruência flagrante, pois se os resultados da 2.ª volta somados dos 2 candidatos somam 100%, isso indica que são percentagens de votos validamente expressos, isto é, excluindo os brancos e nulos. No entanto o mesmo critério não foi seguido para os números das sondagens, já que nunca somam 100%. Então os números não são comparáveis e não deveriam figurar no mesmo gráfico. Eu diria mesmo que não seria demasiado pedir que os valores apresentados sob forma gráfica sejam sempre definidos de modo a poderem ser bem interpretados.
No suplemento de economia (página VI do bloco "Especial Conferência DN Energia"), é apresentado um gráfico sobre "Dependência energética da União Europeia". Também muito bem feito e muito explícito. Pena é que se definam os valores apresentados para cada país como "Diferença entre o consumo e as importações líquidas". Os valores são dados em percentagem e novamente ficamos sem saber de quê. Parece ser percentagem do consumo, o que aliás é lógico para indicar a dependência energética e é confirmado pelo texto. Mas então não é uma diferença. Se por cada 100 unidades consumidas, importamos 99,40 - no caso de Portugal, para exemplificar - a nossa dependência é efectivamente 99,40%, mas isto não é uma diferença, é uma proporção. A diferença entre o consumo interno e as importações líquidas é 0,60% do consumo (100 - 99,40 = 0,60, não é?). Além disso, estranhei o valor negativo da Dinamarca, mas o texto elucidou-me explicando que este país tem um excedente energético. Aprendi pois que quando as exportações excedem as importações se chama importação líquida negativa. Já mais difícil de compreender é o valor superior a 100% do Chipre. Se importa mais recursos energéticos do que consome, o que fará aos 5,5% restantes?
Duas paginas adiante, ainda sobre o mesmo assunto, as unidades de produção, consumo e importação de electricidade são GHh! O H é o símbolo do henry, unidade de indutância. Gigahenrys.hora? Deverá ser, evidentemente, GWh (gigawatts.hora). Uma gralha é natural e desculpável. Mas mais abaixo, no gráfico de "Importações líquidas de energia", em que compara o consumo, as importações e a dependência per capita da Europa a 25 com os de Portugal em equivalentes de tonelada de petróleo, o consumo é inferior às importações. Então para que importamos tanto? Mas repete que a dependência é 99,4% (ao menos neste número é coerente com o artigo anterior). Claro que se os números estivessem certos, Portugal seria excedentário, como a Dinamarca. É indicada que a fonte é o Eurostat, mas parece-me que há qualquer erro na apresentação.
Mas a minha estupefacção não tinha terminado. Na última página do caderno de economia, a propósito da central solar da Amareleja, afirma-se: "Esta central irá produzir 88 gigawatts/hora de energia solar". Ora o que a central vai produzir é energia eléctrica. A origem é solar, mas quem produz energia solar é o Sol; as centrais solares, como as outras centrais produtoras, produzem energia eléctrica, ou melhor, neste caso transformam a energia solar (radiação) em energia eléctrica. Mais grave é o dado da produção: 88 gigawatts/hora! Ora a potência de uma central mede-se em watts, ou megawatts ou gigawatts. O "por hora" está pura e simplesmente errado. É como seu eu dissesse que a potência do meu automóvel é de 100 cavalos por hora ou que eu peso 60 kg/h. Ao fim dumas horas, imaginem a que potência chegaríamos! Mas o próprio valor de 88 gigawatts parece fora da ordem de grandeza do possível. Com base nos valores do mesmo suplemento, página VIII, o consumo de electricidade em Portugal é de 47959 GWh (a acreditar, como disse atrás, que o H resulta de uma gralha e não são GHh), entende-se que por ano. Ora o ano tem 8760 horas. Portanto a potência média consumida é de 5,5 GW. A potência da central da amareleja seria então 16 vezes o consumo total do país! Felizmente, acabei de ouvir no Telejornal que serão 88 megawatts e não gigawatts. Portanto duplo erro.
Mais tarde, na SIC Notícias, acertaram no número, mas erraram também nas unidades: "A central produzirá, numa primeira fase, 64 megawatts por hora." (Cito de memória; as palavras poderão não ter sido exactamente estas). Quando é que os senhores jornalistas que escrevem e falam sobre estes assuntos aprenderão que megawatts por hora é um grande disparate. A potência é um dado intemporal. A energia é que pode ser medida por unidade de tempo, como os nossos consumos domésticos de electricidade, que são dados em watts.hora.
Voltando ao suplemento do Diário de Notícias, uma crítica de outra ordem, não sobre aspectos formais mas sobre o próprio conteúdo, é a referência às alternativas energéticas, com depoimentos de vários especialistas nas páginas X e XI. Não consegui ver nem uma referência a custos comparados. Parece-me esta ausência uma falha importante, pois não permite que o leitor tenha uma visão fundamentada da viabilidade das diferentes alternativas.
quinta-feira, 26 de outubro de 2006
Ainda a propósito da despromoção de Plutão
No meu último comentário sobre o assunto, apenas me referi à questão semântica (Um planeta anão é um planeta! em qualquer língua, ou a lógica é uma batata.). A dúvida que eu deixara no ar no meu comentário primitivo (Caronte deixa de ser um satélite de Plutão para passar também à categoria de planeta anão. Porquê? Será que forma um sistema duplo com Plutão?) foi esclarecida num artigo da revista "Science & Vie" (n.º 1069 de Outubro). De facto formam um sistema duplo e Caronte já não é considerado satélite dada, presumo eu, a pouca diferença entre as respectivas dimensões: diâmetro de Plutão 2 270 km e de Caronte 1 210 km.
Os 4 planetas anões (e portanto reconhecidos logicamente como planetas, com a categoria de anões, por muito que se tentem baralhar as coisas) já identificados são representados na figura que reproduzo da "Science & Vie". A outra figura é a capa da revista "Ciel & espace" referida no comentário anterior.
domingo, 22 de outubro de 2006
A despromoção de Plutão revisitada
Fiquei muito satisfeito e até, confesso, um bocadinho orgulhoso, ao ler na revista "Ciel & espace" (n.º 437 de Outubro de 2006) que a minha dúvida semântica sobre a incoerência de dizer que Plutão tinha deixado de ser um planeta, passando a ser um planeta anão, categoria considerada diferente, fora levantada, quase pelas mesmas palavras, no Congresso da UAI.
Dizia eu: « Então um planeta anão não é um planeta? Vejamos exemplos de outras categorias de seres e objectos:
Um homem anão não é um homem? Claro que é. Até os liliputianos (acabei de rever na TV magnífica série televisiva sobre o Gulliver de Swift) são descritos como seres humanos. Um cão anão, assim como um cão gigante, também é um cão. Um microorganismo é um organismo. Um minidisco é um disco, e assim por diante. Isto não tem nada que ver com os domínios das respectivas ciências, taxonomia, mecânica ou outros. É uma questão de pura lógica e semântica. Portanto, sem querer entrar em polémica com os astrónomos, para o que não tenho a mínima categoria, quer-me parecer que Plutão continua a ser um planeta, embora anão.»
O artigo inserto na revista citada ("Pluton n’est plus une planète" - com chamada na capa: "Pluton Détrôné") refere ilustres astrónomos que têm exactamente a mesma dúvida e diz mesmo que de entre aqueles foram numerosos a fazer notar, com certa ironia, que "si un petit chien est un chien, alors une planète naine est une planète." Nem mais nem menos.
Infelizmente por vezes mesmo cientistas têm abordagens pouco científicas! Para mim, portanto, o número de planetas do sistema solar não diminuiu, antes aumentou, já que os planetas anões, logicamente e enquanto não encontrarem outra designação que não seja uma adjectivação do nome planeta, são também planetas.
Dizia eu: « Então um planeta anão não é um planeta? Vejamos exemplos de outras categorias de seres e objectos:
Um homem anão não é um homem? Claro que é. Até os liliputianos (acabei de rever na TV magnífica série televisiva sobre o Gulliver de Swift) são descritos como seres humanos. Um cão anão, assim como um cão gigante, também é um cão. Um microorganismo é um organismo. Um minidisco é um disco, e assim por diante. Isto não tem nada que ver com os domínios das respectivas ciências, taxonomia, mecânica ou outros. É uma questão de pura lógica e semântica. Portanto, sem querer entrar em polémica com os astrónomos, para o que não tenho a mínima categoria, quer-me parecer que Plutão continua a ser um planeta, embora anão.»
O artigo inserto na revista citada ("Pluton n’est plus une planète" - com chamada na capa: "Pluton Détrôné") refere ilustres astrónomos que têm exactamente a mesma dúvida e diz mesmo que de entre aqueles foram numerosos a fazer notar, com certa ironia, que "si un petit chien est un chien, alors une planète naine est une planète." Nem mais nem menos.
Infelizmente por vezes mesmo cientistas têm abordagens pouco científicas! Para mim, portanto, o número de planetas do sistema solar não diminuiu, antes aumentou, já que os planetas anões, logicamente e enquanto não encontrarem outra designação que não seja uma adjectivação do nome planeta, são também planetas.
segunda-feira, 16 de outubro de 2006
Genocídio ou não? A lei é que decide!
Fiquei estupefacto com a recente aprovação pelo parlamento francês da lei que pune com penas que podem ir até à prisão quem negar a verdade histórica do genocídio arménio pelos turcos.
Não conheço suficientemente a história para ter uma opinião firme sobre se houve ou não genocídio dos arménios, embora me incline para a realidade da ocorrência com base no pouco que tenho lido sobre o assunto. Mas por muito fortes que sejam os argumentos históricos a favor da existência do genocídio e por muito estúpidos que possam ser os argumentos turcos para o negar, não deve ser com proibições e sanções pesadas que se deve procurar repor a verdade histórica. Além disso, não consigo perceber o que tem a França em particular a ver com o que se passou entre 1915 e 1917 entre turcos e arménios. Mesmo que a colónia arménia em França seja importante, é um assunto que não tem uma importância fulcral para a França de hoje.
Outra circunstância estranha é apenas uma minoria de deputados terem votado a lei, porque a maioria saiu do hemiciclo para, segundo o comentador Marcelo Rebelo de Sousa na TV sobre o assunto, "não terem de votar «não»". E porque não? Questão de disciplina partidária? Será então que as direcções dos principais partidos franceses ou dos seus grupos parlamentares não concordariam com a lei mas muitos dos deputados não a queriam votar?
Parece-me que tudo não passou de uma manobra política para prejudicar a hipótese de adesão da Turquia à União Europeia. Embora eu não seja pessoalmente entusiasta por essa hipótese, acho que, a ser verdade esta minha suposição, se trata de métodos políticos completamente condenáveis.
Mas o facto mais importante é a limitação da liberdade de expressão e de investigação histórica que a proibição representa. Claro que há precedentes, como a situação na própria Turquia que proíbe a afirmação contrária, isto é, de que praticaram genocídio contra os arménios, ou na Alemanha onde é crime negar o holocausto. Embora a tentativa de limitar a livre opinião histórica seja semelhante ao caso francês, de certo modo é mais fácil de compreender, porque os países em que se decreta a proibição estão directamente implicados nos factos alegados.
Contudo, se a moda pega, qualquer dia será crime afirmar em Portugal que fomos colonialistas (ou que não fomos!) ou opinar em Espanha que Franco não era verdadeiramente fascista (ou que era!), e poderíamos acrescentar numerosos exemplos.
Por favor, deixem cada um dizer o que pensa, mesmo que seja disparate.
Não conheço suficientemente a história para ter uma opinião firme sobre se houve ou não genocídio dos arménios, embora me incline para a realidade da ocorrência com base no pouco que tenho lido sobre o assunto. Mas por muito fortes que sejam os argumentos históricos a favor da existência do genocídio e por muito estúpidos que possam ser os argumentos turcos para o negar, não deve ser com proibições e sanções pesadas que se deve procurar repor a verdade histórica. Além disso, não consigo perceber o que tem a França em particular a ver com o que se passou entre 1915 e 1917 entre turcos e arménios. Mesmo que a colónia arménia em França seja importante, é um assunto que não tem uma importância fulcral para a França de hoje.
Outra circunstância estranha é apenas uma minoria de deputados terem votado a lei, porque a maioria saiu do hemiciclo para, segundo o comentador Marcelo Rebelo de Sousa na TV sobre o assunto, "não terem de votar «não»". E porque não? Questão de disciplina partidária? Será então que as direcções dos principais partidos franceses ou dos seus grupos parlamentares não concordariam com a lei mas muitos dos deputados não a queriam votar?
Parece-me que tudo não passou de uma manobra política para prejudicar a hipótese de adesão da Turquia à União Europeia. Embora eu não seja pessoalmente entusiasta por essa hipótese, acho que, a ser verdade esta minha suposição, se trata de métodos políticos completamente condenáveis.
Mas o facto mais importante é a limitação da liberdade de expressão e de investigação histórica que a proibição representa. Claro que há precedentes, como a situação na própria Turquia que proíbe a afirmação contrária, isto é, de que praticaram genocídio contra os arménios, ou na Alemanha onde é crime negar o holocausto. Embora a tentativa de limitar a livre opinião histórica seja semelhante ao caso francês, de certo modo é mais fácil de compreender, porque os países em que se decreta a proibição estão directamente implicados nos factos alegados.
Contudo, se a moda pega, qualquer dia será crime afirmar em Portugal que fomos colonialistas (ou que não fomos!) ou opinar em Espanha que Franco não era verdadeiramente fascista (ou que era!), e poderíamos acrescentar numerosos exemplos.
Por favor, deixem cada um dizer o que pensa, mesmo que seja disparate.
quarta-feira, 11 de outubro de 2006
A Ópera de Berlim e o respeito pelas religiões
No recente caso do cancelamento da apresentação da ópera de Mozart Idomeneu na Ópera de Berlim, o que mais me impressionou não foi o facto em si, um flagrante acto de censura, mas sim a razão adiantada pela directora da Ópera ter sido o receio de reacções violentas de sectores islâmicos que poderiam pôr em causa a segurança de intérpretes, pessoal e espectadores. Como a cena que causou a polémica não apresentava apenas a cabeça degolada de Maomé, mas também as de Posídon, Jesus e Buda, seria de esperar da senhora directora uma atitude baseada no respeito por todas as religiões atingidas e não apenas do Islão. Tirando o deus grego, que suponho que já não terá um número significativo de adoradores e cuja exibição da cabeça não faltará ao respeito de crentes vivos, os cristãos e os budistas teriam a mesmíssima razão para se ofenderem que os muçulmanos. Portanto se a razão adiantada fosse o receio de ofender os crentes destas religiões, independentemente de essas ofensas poderem dar origem a reacções mais ou menos violentas, o acto censório não deixaria de o ser mas poderia ter uma base moral. Assim é um acto de cedência perante o terror que só pode fortalecer a ideia de que vale a pena inspirar medo para obrigar os outros a fazerem a nossa vontade.
De passagem sempre digo que, apesar de pessoalmente não me poder considerar ofendido por não me inserir em nenhuma das religiões cujos profetas ou deuses (ou no caso do budismo talvez figura venerável máxima), acho a encenação, tal como a descreveram nos meios de comunicação (continuo a insistir em não usar a expressão "media" e muito menos "mídea") de enorme mau gosto. Se eu fosse director de uma casa de espectáculo hesitaria muito em levar à cena tal encenação. No entanto, depois de aprovada e marcada a representação, não me parece correcto cancelar, muito menos pelas razões apontadas.
De passagem sempre digo que, apesar de pessoalmente não me poder considerar ofendido por não me inserir em nenhuma das religiões cujos profetas ou deuses (ou no caso do budismo talvez figura venerável máxima), acho a encenação, tal como a descreveram nos meios de comunicação (continuo a insistir em não usar a expressão "media" e muito menos "mídea") de enorme mau gosto. Se eu fosse director de uma casa de espectáculo hesitaria muito em levar à cena tal encenação. No entanto, depois de aprovada e marcada a representação, não me parece correcto cancelar, muito menos pelas razões apontadas.
segunda-feira, 2 de outubro de 2006
Mais disparates da TV: verbo haver e zeros a mais ou a menos, plural e singular
Alguns jornalistas continuam alegremente a conjugar o verbo haver impessoal no plural, mas o pior foi ouvir este erro de palmatória não de um jornalista mas de um professor, entrevistado sobre a recente questão da colocação de professores:
"É difícil de acreditar que não hajam vagas." (SIC-Notícias 2006.09.15)
No dia seguinte a na versão em português da Euronews o mesmo disparate:
"Mesmo que a vida nem sempre corra bem e hajam algumas dificuldades..." (Euronews RTP-N 2006.09.16)
Num dia destes, a jornalista Clara de Sousa da SIC afirmou serenamente que as receitas do Estado português desde o princípio do ano eram de 23 milhões de euros e que as despesas de 28 milhões, não reparando ou não tendo a noção de que tais números eram ridiculamente pequenos e obviamente queria referir-se a milhares de milhões de euros. Uma distracção qualquer tem, mas ao repetir o disparate leva a crer que não tem a noção da ordem de grandeza do orçamento do Estado.
Nos últimos dias tem havido alguma controvérsia sobre o uso ou não do plural de verbos em frases em que o sujeito está no singular mas representa uma entidade plural. O Provedor dos leitores do DN, em resposta às reclamações de vários leitores sobre o erro de concordância do título: "Um terço dos estudantes já foram vítimas de violência", referia a resposta do director adjunto do jornal, baseado no douto parecer dos que ele designava como "maiores gramáticos da nossa língua", admitindo que ‘Quando o sujeito é constituído por uma expressão partitiva (...) e um substantivo ou pronome plural, o verbo pode ir para o singular ou para o plural.’
Felizmente o Provedor teve o cuidado de consultar outros especialistas, a prof.ª Maria Regina Rocha e a especialista Edite Estrela, que consideram mais correcto o uso, em tais casos, do plural. Fiquei aliviado. Haja bom-senso.
"É difícil de acreditar que não hajam vagas." (SIC-Notícias 2006.09.15)
No dia seguinte a na versão em português da Euronews o mesmo disparate:
"Mesmo que a vida nem sempre corra bem e hajam algumas dificuldades..." (Euronews RTP-N 2006.09.16)
Num dia destes, a jornalista Clara de Sousa da SIC afirmou serenamente que as receitas do Estado português desde o princípio do ano eram de 23 milhões de euros e que as despesas de 28 milhões, não reparando ou não tendo a noção de que tais números eram ridiculamente pequenos e obviamente queria referir-se a milhares de milhões de euros. Uma distracção qualquer tem, mas ao repetir o disparate leva a crer que não tem a noção da ordem de grandeza do orçamento do Estado.
Nos últimos dias tem havido alguma controvérsia sobre o uso ou não do plural de verbos em frases em que o sujeito está no singular mas representa uma entidade plural. O Provedor dos leitores do DN, em resposta às reclamações de vários leitores sobre o erro de concordância do título: "Um terço dos estudantes já foram vítimas de violência", referia a resposta do director adjunto do jornal, baseado no douto parecer dos que ele designava como "maiores gramáticos da nossa língua", admitindo que ‘Quando o sujeito é constituído por uma expressão partitiva (...) e um substantivo ou pronome plural, o verbo pode ir para o singular ou para o plural.’
Felizmente o Provedor teve o cuidado de consultar outros especialistas, a prof.ª Maria Regina Rocha e a especialista Edite Estrela, que consideram mais correcto o uso, em tais casos, do plural. Fiquei aliviado. Haja bom-senso.
domingo, 1 de outubro de 2006
Ainda a lição do Papa em Ratisbona
Para mim, o discurso do Papa levantava outras questões muito interessantes, para além da posição sobre o Islão e mesmo da polémica da expansão da fé, de qualquer fé, por meio da espada.
A principal destas questões, e parece-me que base de todo a dissertação, é a relação entre razão e fé. Apesar de parecer intenção do Papa afirmar que a fé não deve ser contrária à razão nem ignorar a razão, é evidente que tem como dado adquirido implícito que a razão sem fé é estéril e redutora do homem na sua dimensão integral.
A este respeito é sintomático que o Papa classifique como "cepticismo radical" a opinião de um colega de que havia alguma coisa de estranho na Universidade de Ratisbona: o facto de ter duas faculdades devotadas a algo que não existia: Deus. É indiscutível para o Papa que "face a este cepticismo radical seja ainda necessário e razoável suscitar a questão de Deus através do uso da razão". É esta a base da dissertação do Papa. Quanto a mim é louvável que se tente aproximar a fé da razão, tornando-a assim obviamente mais razoável. Mas parece-me bem que haverá limites a esta aproximação. Afinal é pela razão que muitos agnósticos se interrogam sobre os dogmas da fé e que muitos ateus não crêem neles.
Na mesma linha de pensamento, o Papa afirma que "pela sua própria natureza, este método [o método científico baseado na experimentação («sinergia entre a matemática e o empirismo»)] exclui a questão de Deus, fazendo-a parecer um problema não científico ou pré-científico. Consequentemente, estamos em face de uma redução do âmbito da ciência e da razão, que necessita ser questionada." Se o colega atrás citado tem razão, não há nisto qualquer redução, pois o que fica de fora afinal não existe.
Não pretendo com isto afirmar que creio que a ciência e a razão abrangem integralmente todos os aspectos do pensamento humano (Já Pascal afirmava que não!). Mas prefiro colocar-me ao lado dos que, crentes ou não crentes, pensam que a ciência e a fé tratam de questões diferentes e que, tal como não será possível provar a existência de Deus por métodos científicos, também não poderá provar-se a sua inexistência. O que não prejudica o intento louvável de aproximar a fé da racionalidade, pelo menos para evitar que possa levar a extremos de irracionalidade.
A principal destas questões, e parece-me que base de todo a dissertação, é a relação entre razão e fé. Apesar de parecer intenção do Papa afirmar que a fé não deve ser contrária à razão nem ignorar a razão, é evidente que tem como dado adquirido implícito que a razão sem fé é estéril e redutora do homem na sua dimensão integral.
A este respeito é sintomático que o Papa classifique como "cepticismo radical" a opinião de um colega de que havia alguma coisa de estranho na Universidade de Ratisbona: o facto de ter duas faculdades devotadas a algo que não existia: Deus. É indiscutível para o Papa que "face a este cepticismo radical seja ainda necessário e razoável suscitar a questão de Deus através do uso da razão". É esta a base da dissertação do Papa. Quanto a mim é louvável que se tente aproximar a fé da razão, tornando-a assim obviamente mais razoável. Mas parece-me bem que haverá limites a esta aproximação. Afinal é pela razão que muitos agnósticos se interrogam sobre os dogmas da fé e que muitos ateus não crêem neles.
Na mesma linha de pensamento, o Papa afirma que "pela sua própria natureza, este método [o método científico baseado na experimentação («sinergia entre a matemática e o empirismo»)] exclui a questão de Deus, fazendo-a parecer um problema não científico ou pré-científico. Consequentemente, estamos em face de uma redução do âmbito da ciência e da razão, que necessita ser questionada." Se o colega atrás citado tem razão, não há nisto qualquer redução, pois o que fica de fora afinal não existe.
Não pretendo com isto afirmar que creio que a ciência e a razão abrangem integralmente todos os aspectos do pensamento humano (Já Pascal afirmava que não!). Mas prefiro colocar-me ao lado dos que, crentes ou não crentes, pensam que a ciência e a fé tratam de questões diferentes e que, tal como não será possível provar a existência de Deus por métodos científicos, também não poderá provar-se a sua inexistência. O que não prejudica o intento louvável de aproximar a fé da racionalidade, pelo menos para evitar que possa levar a extremos de irracionalidade.