domingo, 22 de julho de 2007

Ibéria revisitada


Convinha que os iberistas convencidos, incluindo o escritor Saramago, que suponho ser de nacionalidade portuguesa, meditassem um pouco sobre o que ocorreu durante a união, entre 1580 e 1640, das coroas portuguesa e espanhola. Durante este período sucederam-se as revoltas, as fomes, as perdas de territórios (mais tarde reconquistados, após a restauração) e os aumentos de impostos (O que é que isto me faz lembrar?), muitas vezes provocando motins e levantamentos. Claro que não pretendo defender que tudo isto foi provocado pelo domínio castelhano, mas não deverei errar muito se disser que o foi em grande parte. As revoltas foram muitas vezes contra medidas repressivas dos ocupantes ou contra impostos necessários ao esforço de guerra espanhol, que não foi dirigido a defender as possessões portuguesas, já que as prioridades iam noutros sentidos. Também não quero afirmar que se no quadro actual se desse uma união política entre Portugal e Espanha, quer ficando Portugal como uma região autónoma da Espanha quer formando uma Ibéria federal, haveria a mesma reacção e sucederiam as mesmas desgraças. Mas creio que de qualquer forma o passado nos deve fazer pensar um pouco. Veja-se o seguinte rol de desgraças [retirado do livro História de Portugal em Datas. coordenação de António Simões Rodrigues, ed. Temas e Debates, 3.ª edição 2000].

1595 – Revolta popular em Lisboa.
1596-1600 – Grave crise agrícola.
1598-1603 – Surto de «peste pequena».
1602 – Surto de peste.
1609 – Conquista de Ceilão pelos holandeses.
1617 – Os portugueses são expulsos do Japão pelos holandeses.
Assalto mouro à ilha de Porto Santo, fazendo cativa quase toda a população.
1617-161\8 – Levantamento do litoral português…
1620 – Ano «estéril» de pão.
1621 – Surto de fome no reino.
1622 – Fome (que afecta em especial Lisboa) e «preços altos».
1622 – Ormuz é conquistada pelos Persas com o auxílio dos Ingleses.
Os Holandeses atacam, sem êxito, S. Jorge da Mina.
Ataques holandeses à costa portuguesa (foz do Tejo. barra do Porto, Aveiro…)
Mouros e turcos fazem «incursões»na costa algarvia.
1623 – Motim anticastelhano em Lisboa. Populares (em especial «moços e maraos») arremetem contra o »quartel dos castelhanos».
Fome e «preços altos»
1624 – Conquista de Salvador pelos Holandeses. Grande consternação no reino.
1625 – Os Holandeses tentam, de novo, a conquista de S. Jorge da Mina.
Lei que proíbe o uso de coches em Lisboa. Levanta forte contestação dos »influentes». (Suspensa em 1626.)
1627 – Carestia de cereais e fomes.
1628 – Manifestação anticastelhana em Lisboa. Os «maraos» são os principais protagonistas.
1620 - Motins em Santarém e Alcácer do Sal.
Motim das «maçarocas» no Porto.
1630 - Conquista de Olinda e Recife pelos holandeses.
Ataque inglês a Ceilão.
1631 - Entra em declínio o poderio dos Portugueses no golfo Pérsico e na costa arábica.
Olinda é incendiada pelos Holandeses.
Os Árabes e os Cafres massacram os Portugueses em Mombaça.
1632 - Os Holandeses penetram em Alagoas.
1633 - Ataque holandês ao porto brasileiro de Nazaré.
1634 - Tumultos populares no Porto.
Miguel de Vasconcelos, na reorganização do governo de Portugal por Olivares, é escolhido para escrivão da Fazenda do Reino.
Atentado frustrado (com armas de fogo) contra a vida de Miguel de Vasconcelos. Mais uma manifestação da oposição portuguesa (em que o ano de 1634 é fértil) contra o «autoritarismo» de Olivares e o aumento da carga fiscal.
Os Holandeses apoderam-se de Paraíba.
Os Portugueses são expulsos da Etiópia.
O Japão fecha-se aos Portugueses.
1635 - Miguel de Vasconcelos é nomeado secretário de Estado.
Falta de pão no Alentejo, Beira (e outras partes do reino).
Decreto que alarga o imposto do real-d’água a todo o reino. A aplicação do imposto (agora régio e geral) é feita em proveito integral da coroa. Pagamento dfe um real por cada arrátel de carne e outro por canada de vinho (que se vendam por miúdo ao público).
Carta régia que aumenta um quarto do cabeção das sisas que passa a verter para a coroa.
Extensão a Portugal do lançamento de 5 por cento sobre todos os bens.
Motim em Viana provocado pela cobrança de um «donativo».
Motim em Arcozelo (terra próxima de S. Pedro do Sul). A população rebela-se contra os exactores fiscais.
Os Holandeses, tomada Paraíba, ocupam a maior parte de Pernambuco.
1636 - Motim em Chaves quando o provedor de Moncorvo pretende proceder à imposição de novos tributos. Mais tarde, o provedor de Guimarães é também expulso da vila.
Motim em Vila Real. Trata-se também, provavelmente, de um movimento de resistência à imposição de novos tributos.
1637 - Tentativa de impor em Portugal o imposto do papel selado. Provoca uma tal reacção (mesmo por parte dos ministros) que a sua execução veio a ser suspensa.
«Alterações de Évora». …contestações ao real-d’água e ao aumento do cabeção das sisas…
O «fogo» ateia-se ao Algarve que se começa a amotinar…
Os Holandeses apoderam-se da capitania de Sergipe.
Uma armada holandesa toma a fortaleza de S. Jorge da Mina.
1638 - Alterações graves em Guimarães.
Tomada de Arguim pelos Holandeses. Ocupação do Ceará pelos Holandeses.
Carta régia que recruta 6000 soldados de infantaria e 1500 de cavalaria à custa do reino para servirem nas frentes de luta em que a Espanha está envolvida.
1639-1640 - Desacatos em Coruche, Serpa e Moura.
E pergunto: Uma união entre dois países integrados na União Europeia terá algum sentido? Pergunto ainda: Sendo Portugal uma república e a Espanha uma monarquia, qual poderia ser o regime do país que resultasse da união? Estariam os portugueses dispostos a renunciar ao seu regime republicano ou os espanhóis decididos a se integrarem numa república? Não me parece.
De qualquer modo parece-me a propósito divulgar mais uma gravura da defenestração de Miguel de Vasconcelos, retirada do mesmo livro citado.

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quinta-feira, 19 de julho de 2007

Outra vez a Ibéria!

Não é demais relembrar o que escrevi aqui em 25 de Abril a propósito de tendências iberistas. Pelo menos estas eram encapotadas. Agora a proposta do Saramago de integração de Portugal na Espanha, e mais do que a proposta, a declaração da inevitabilidade a prazo desta integração deixou-me mais do que desgostoso: deixou-me mesmo revoltado. É não ter em conta a nossa individualidade, a nossa longa história, mais longa do que a de Espanha como país, a nossa cultura e a vantagem de sermos um dos poucos países da Europa que somos verdadeiramente um Estado-Nação, com fronteiras bem definidas há longos séculos, ao que dizem as mais antigas da Europa. Além disso esta posição do ilustre escritor não abona muito à sua inteligência. Para que raio poderia a Espanha estar interessada em anexar Portugal? Já tem problemas que cheguem em casa. E que teria Portugal a ganhar com isso. Há que acene com as vantagens de os salários em Espanha serem muito superiores aos nossos e nomeadamente o salário mínimo. Que consequências económicas teria para a região Portugal como parte da Espanha ou de uma União Ibérica futura o aumento súbito e geral dos salários? Seria isso possível? Como sobreviveriam as nossas empresas? E que sentido poderia ter esta integração numa União europeia em que as fronteiras se encontram diluídas e há livre circulação de pessoas e capitais?
Como já disse, vivi anos em Espanha e nada me move contra os espanhóis. Mas, ao contrário do Almada, não quero ser espanhol, mesmo que continue a ser modestamente do País do Dantas, pim!

sábado, 14 de julho de 2007

Incentivo à roubalheira

Leio com estupefacção que "o Governo se prepara para transformar em crime particular os furtos de valor inferior a 500 €". Isto significa que, se me furtarem o relógio, a camisola, um acessório do carro ou qualquer objecto até esse valor, eu terei de arcar com as despesas do processo se quiser denunciar o furto, incluindo pagar a um advogado. Claro que muita gente optará por arcar com o prejuízo e não o denunciar. É certamente esse o objectivo fundamental desta iniciativa do Governo: aliviar os tribunais. Não seria mais lógico e mais consentâneo com o combate à criminalidade, mesmo à pequena criminalidade, instituir tribunais de primeira instância com o mínimo de formalidades para julgamentos rápidos e expeditos? Serão os mais pobres os mais penalizados. A pequena criminalidade, se não for combatida na origem, incentivará a carreira do crime e conduzirá à grande criminalidade.

Verifico com espanto que o limite de 500 € é exactamente o mesmo que, na lei ainda em vigor apesar das promessas de alteração, obriga a declaração ao fisco e ao pagamento de 10% de imposto de selo, se uma pessoa doar essa quantia a outra, apesar de no caso de a doação ser entre familiares em linha recta, como pais e filhos, haver isenção do imposto mas não da obrigação de declarar. Quer dizer, se me furtarem 499 € não tem importância e nada sucede ao ladrão, a não ser que me dê ao trabalho e à despesa de o pôr em tribunal, mas se eu der 500 € ao meu irmão tenho de pagar 50 € de IS ao Estado e o meu irmão só receberá 450 €. É preferível, portanto, eu combinar com o meu irmão que ele me furte 499 €, prometendo eu não fazer queixa. Assim poupam-se 50 € e o meu irmão só fica prejudicado em 1 €. E mesmo que eu não tencione doar nada ao meu irmão (até nem tenho irmão), mas queira dar 500 € ao meu filho, mesmo assim, apesar da isenção do IS, vale a pena convencê-lo a furtar-me 499 € e doar-lhe só 1 €; assim não terei o trabalho de ter de fazer a declaração ao fisco, que nem sei como se faz, mas pode obrigar à compra de um impresso modelo tal e tal e/ou a deslocar-me a uma repartição de finanças ou pelo menos a fazer uma declaração electrónica, que não é de graça, gasta energia e rouba tempo.

Bem sei que, como já disse, há a intenção de modificar esta lei, mas nada foi dito sobre como ficará: cessa a obrigação de declaração em caso de pai e filho, é simplesmente aumentado o limite vigente ou qualquer outra coisa? Pelo sim pelo não, é melhor optar pelo furto. E não se pode dizer que faço neste blog um apelo ao crime, pois se furtar menos de 500 € vai ser descriminalizado... pelo menos deixa de ser crime público.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Não à água

Ontem faltou a água durante várias horas em grande parte de Olivais Sul e em Chelas. Segundo a informação prestada pela EPAL (por favor, não confundir com o IPAR nem com a EPUL), a falta foi devida a um rebentamento duma conduta na Avenida de Pádua.

Os olivenses (será assim que se designam os habitantes dos Olivais? Se não é, não faz mal, desde que se compreenda o que quero dizer), depois de ouvirem a informação errada de que a avaria poderia durar até à meia-noite, correram a comprar água engarrafada. Eu também. Eis senão quando vejo o quiosque dos cafés no átrio do Centro Comercial dos Olivais (continuo a negar-me a chamar-lhe Shopping, porque sou português, o Centro é português e situa-se em Portugal para servir principalmente portugueses) fechado e com uns papéis manuscritos afixados em que se lia «não à água». É certo que o analfabetismo tem decrescido em Portugal, mas há alfabetizados que são quase analfabetos.

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