terça-feira, 25 de abril de 2006

Contos

Em defesa do conto
Já passou tempo suficiente, desde que a nossa moeda oficial é o euro, para que o povo português de todas as classes se habituasse bastante bem à nova moeda e já avalie se um bem é caro ou barato, principalmente para pequenos valores. Mas quando se trata de grandes quantias é ainda muito comum falar em contos ou pelo menos dar o equivalente em contos, principalmente para quantias em que estes são aos milhares. Se perguntamos, por exemplo, ao agente de uma imobiliária o preço de uma casa, quase de certeza que ele nos dirá "São tantos milhares de contos." Mesmo ministros e outras pessoas com responsabilidades oficiais dão muitas vezes os equivalentes em contos das quantias que citam nos seus discursos, sejam investimentos programados, sejam cobranças fiscais, ou outras verbas. Por vezes, quase envergonhadamente, acrescentam "... em moeda antiga, para que as pessoas entendam bem."
Pois bem! Acho que chegou o momento de nos deixarmos de vergonhas e reabilitarmos o conto, já que o escudo, que tem um lugar na história da nossa moeda, não parece possível nem vantajoso reabilitá-lo, o que seria equivalente a retomá-lo como unidade monetária. O conto de réis foi durante muitos anos uma unidade quase clandestina, referido em conversas informais mas sacrificado nos discursos e nos documentos oficiais como se fosse calão ou gíria. Só recentemente teve honras de entrar no Orçamento Geral de Estado e noutros documentos oficiais. Veio o euro e ... zás! Passou de novo a uma semi-clandestinidade!
A minha proposta é de que se passe a chamar sem rebuços "conto" à quantia de 5 euros, que vale quase exactamente o antigo milhar de escudos. Não chamavam os espanhóis correntemente "un duro" à moeda de 5 pesetas? Portanto aproveitemos a simplicidade da conversão de escudos em euros por um quociente quase exacto de 200 e continuemos a falar em contos, mantendo esta querida quantia no nosso quotidiano. Sugiro ainda que o conto seja adoptado oficialmente esta unidade secundária da agora nossa moeda euro. Sei que a modesta audiência deste meu blog não poderá ter uma importância significativa neste meu desígnio, mas conto com a família e os amigos para criarem um efeito multiplicativo à minha campanha que reputo de patriótica. Concordam? Então aprovado. Viva o conto.

quinta-feira, 13 de abril de 2006

Sharia

A notícia passou quase despercebida, foi dada de maneira muito sucinta e não dei praticamente por comentários das almas bem-pensantes. Li primeiro numa notícia de roda-pé de um telejornal e cheguei a duvidar da sua veracidade, tão bárbara me pareceu. Mas daí a dias ouvi também na televisão um pouco mais desenvolvida e finalmente vi nos jornais. Transcrevo-a tal como veio publicada no Público de 20 de Março:
Convertido ao cristianismo arrisca-se à pena de morte
Um afegão que se converteu ao cristianismo foi detido e arrisca-se a ser condenado à morte se não voltar à sua fé original, de acordo com a sharia, a lei islâmica, anunciaram ontem as autoridades judiciais em Cabul. O homem, Abdul Rahman, foi preso há duas semanas depois de familiares terem revelado à policia a sua conversão, declarou, à AFP, um juiz do Supremo Tribunal do Afeganistão, Ansarullah Mawlavizada. "Este homem converteu-se ao cristianismo e está a ser julgado por isso desde a semana passada" num tribunal ordinário, acrescentou o magistrado. Abdul Ralunan poderá ser condenado à pena capital se não abjurar e voltar ao islamismo. A sharia proíbe a qualquer muçulmano a conversão a outra religião. E a Constituição afegã, adoptada em Janeiro de 2004, estipula que "nenhuma lei pode ser contrária aos princípios da religião sagrada do islão". Se for condenado, Abdul Rahman será o primeiro afegão a ser castigado por se ter convertido a outra religião desde a queda, em 2001, do regime dos taliban.
Durante dias segui o caso nas pequenas notícias que vieram a lume. Parecia um caso de pequena importância, pouco mais que insignificante, quase como se os redactores achassem natural. Finalmente, o final feliz, na nova notícia do dia 29 do mesmo mês:
O PROCESSO
Libertado afegão convertido ao cristianismo

Um muçulmano afegão que se converteu ao cristianismo e estava ameaçado de morte por "apostasia" foi libertado e levado para um local secreto. Será extraditado e poderá ser acolhido em Itália. A libertação, que gerou protestos populares, foi justificada pelo ministro da Justiça em Cabul com "falhas técnicas" do processo e dúvidas sobre o "estado mental" do detido. O repatriamento está a ser tratado com discrição por o país de destino poder ser alvo de manifestações de islamistas que defendem a sua execução.
Pois este caso não gerou, que eu saiba, grandes protestos nem manifestações dos guardiões dos direitos do homem, nem correntes humanas, nem comentários apaixonados. Parece que o medo tolheu qualquer opinião que pudesse ser tomada como ofensa aos muçulmanos.
Eu, que desconhecia esta regra da sharia resolvi procurar na fonte mais fidedigna: o Alcorão (Edição do Livro de Bolso da Europa-América). Eis o que encontrei sobre o assunto:
Capítulo III. 85. Os que desejem renunciar ao islão para seguir outra religião não serão aceites e na outra vida estarão entre os desventurados.
86. Como guiará Deus as gentes que deixam de crer depois da sua profissão de fé, depois de haverem testemunhado que o Enviado, Muhammad, é verídico, depois de terem vindo as provas? Deus não dirige as gentes injustas.
87. Esses terão a sua recompensa: a maldição de Deus, dos anjos e dos homens, de todos, cairá sobre eles.
88. E eternamente; não se lhes aliviará o castigo nem eles o esperarão.
89. A não ser aqueles que se arrependam e se emendem. Deus é indulgente, misericordioso.
90. Os que descreiam depois da sua profissão de fé aumentarão em seguida a sua infelicidade; não se lhes admitirá o seu arrependimento; esses serão os desencaminhados.
91. Os que descrêem e morrem, esses serão infiéis; de nenhum deles se admitirá resgate, ainda que dessem a capacidade da Terra em ouro, para se resgatarem antes do Dia do Juízo; esses sofrerão um tormento doloroso e não terão defensores.
105. Não sejais como esses que se separaram e divergiram depois de lhes terem vindo as provas; esses terão um grande castigo.

O meu desconhecimento de como foi instituída a sharia e das suas relações com os versículos do Alcorão é enorme, mas parece que os juízes afegãos e mesmo a lei islâmica, pelo menos segundo eles, acham melhor adiantar-se à justiça divina e dar nesta vida, acabando com ela, o castigo reservado para a outra vida.

Mas afinal não são apenas os que renunciam ao islão abraçando outra religião que devem temer o castigo terrível. Eis o que diz o Alcorão sobre os infiéis e incrédulos:

II. 7: Deus selou os seus corações e os seus ouvidos; sobre a sua vista encontra-se um véu. Terão o merecido castigo.
39: Os que forem infiéis e recusarem a verdade contida nos nossos versículos irão para o Inferno, onde viverão eternamente.
89: ... Que a maldição de Deus desça sobre os incrédulos!
90: ... Os infiéis terão um tormento desprezível!
104: ... os incrédulos terão um castigo doloroso.
126: ... "Aos que não creiam, deixá-los-ei desfrutar também; em seguida condená-los-ei ao castigo do fogo. Que péssimo Porvir!"
162: Os que descrêem e morrem incrédulos, esses têm a maldição de Deus, dos anjos e de toda a humanidade.
III.4. ... Na verdade, os que não crêem nas palavras de Deus terão um castigo terrível. Deus é poderoso, punidor.
12. Diz aos que não crêem: "Sereis vencidos e reunidos no Inferno. Que má morada é essa!"
19. ... Quem não crê nas palavras de Deus será castigado, pois Deus é rápido em ajustar contas.
56. Aos que não crêem, atormentá-los-ei com um duro castigo nesta vida e na outra. Não terão quem os auxilie.
116. Os que não crêem, nenhum proveito tirarão ante Deus, nem das suas riquezas, nem dos seus filhos: esses serão entregues ao fogo e nele viverão eternamente.
130. Ó vós que credes! ... 131. Temei o fogo que se preparou para os infiéis.
141. ... Deus põe à prova os que crêem e aniquila os infiéis.


Será que a sharia também prevê a pena de morte para estes casos?

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