quinta-feira, 13 de abril de 2006

Sharia

A notícia passou quase despercebida, foi dada de maneira muito sucinta e não dei praticamente por comentários das almas bem-pensantes. Li primeiro numa notícia de roda-pé de um telejornal e cheguei a duvidar da sua veracidade, tão bárbara me pareceu. Mas daí a dias ouvi também na televisão um pouco mais desenvolvida e finalmente vi nos jornais. Transcrevo-a tal como veio publicada no Público de 20 de Março:
Convertido ao cristianismo arrisca-se à pena de morte
Um afegão que se converteu ao cristianismo foi detido e arrisca-se a ser condenado à morte se não voltar à sua fé original, de acordo com a sharia, a lei islâmica, anunciaram ontem as autoridades judiciais em Cabul. O homem, Abdul Rahman, foi preso há duas semanas depois de familiares terem revelado à policia a sua conversão, declarou, à AFP, um juiz do Supremo Tribunal do Afeganistão, Ansarullah Mawlavizada. "Este homem converteu-se ao cristianismo e está a ser julgado por isso desde a semana passada" num tribunal ordinário, acrescentou o magistrado. Abdul Ralunan poderá ser condenado à pena capital se não abjurar e voltar ao islamismo. A sharia proíbe a qualquer muçulmano a conversão a outra religião. E a Constituição afegã, adoptada em Janeiro de 2004, estipula que "nenhuma lei pode ser contrária aos princípios da religião sagrada do islão". Se for condenado, Abdul Rahman será o primeiro afegão a ser castigado por se ter convertido a outra religião desde a queda, em 2001, do regime dos taliban.
Durante dias segui o caso nas pequenas notícias que vieram a lume. Parecia um caso de pequena importância, pouco mais que insignificante, quase como se os redactores achassem natural. Finalmente, o final feliz, na nova notícia do dia 29 do mesmo mês:
O PROCESSO
Libertado afegão convertido ao cristianismo

Um muçulmano afegão que se converteu ao cristianismo e estava ameaçado de morte por "apostasia" foi libertado e levado para um local secreto. Será extraditado e poderá ser acolhido em Itália. A libertação, que gerou protestos populares, foi justificada pelo ministro da Justiça em Cabul com "falhas técnicas" do processo e dúvidas sobre o "estado mental" do detido. O repatriamento está a ser tratado com discrição por o país de destino poder ser alvo de manifestações de islamistas que defendem a sua execução.
Pois este caso não gerou, que eu saiba, grandes protestos nem manifestações dos guardiões dos direitos do homem, nem correntes humanas, nem comentários apaixonados. Parece que o medo tolheu qualquer opinião que pudesse ser tomada como ofensa aos muçulmanos.
Eu, que desconhecia esta regra da sharia resolvi procurar na fonte mais fidedigna: o Alcorão (Edição do Livro de Bolso da Europa-América). Eis o que encontrei sobre o assunto:
Capítulo III. 85. Os que desejem renunciar ao islão para seguir outra religião não serão aceites e na outra vida estarão entre os desventurados.
86. Como guiará Deus as gentes que deixam de crer depois da sua profissão de fé, depois de haverem testemunhado que o Enviado, Muhammad, é verídico, depois de terem vindo as provas? Deus não dirige as gentes injustas.
87. Esses terão a sua recompensa: a maldição de Deus, dos anjos e dos homens, de todos, cairá sobre eles.
88. E eternamente; não se lhes aliviará o castigo nem eles o esperarão.
89. A não ser aqueles que se arrependam e se emendem. Deus é indulgente, misericordioso.
90. Os que descreiam depois da sua profissão de fé aumentarão em seguida a sua infelicidade; não se lhes admitirá o seu arrependimento; esses serão os desencaminhados.
91. Os que descrêem e morrem, esses serão infiéis; de nenhum deles se admitirá resgate, ainda que dessem a capacidade da Terra em ouro, para se resgatarem antes do Dia do Juízo; esses sofrerão um tormento doloroso e não terão defensores.
105. Não sejais como esses que se separaram e divergiram depois de lhes terem vindo as provas; esses terão um grande castigo.

O meu desconhecimento de como foi instituída a sharia e das suas relações com os versículos do Alcorão é enorme, mas parece que os juízes afegãos e mesmo a lei islâmica, pelo menos segundo eles, acham melhor adiantar-se à justiça divina e dar nesta vida, acabando com ela, o castigo reservado para a outra vida.

Mas afinal não são apenas os que renunciam ao islão abraçando outra religião que devem temer o castigo terrível. Eis o que diz o Alcorão sobre os infiéis e incrédulos:

II. 7: Deus selou os seus corações e os seus ouvidos; sobre a sua vista encontra-se um véu. Terão o merecido castigo.
39: Os que forem infiéis e recusarem a verdade contida nos nossos versículos irão para o Inferno, onde viverão eternamente.
89: ... Que a maldição de Deus desça sobre os incrédulos!
90: ... Os infiéis terão um tormento desprezível!
104: ... os incrédulos terão um castigo doloroso.
126: ... "Aos que não creiam, deixá-los-ei desfrutar também; em seguida condená-los-ei ao castigo do fogo. Que péssimo Porvir!"
162: Os que descrêem e morrem incrédulos, esses têm a maldição de Deus, dos anjos e de toda a humanidade.
III.4. ... Na verdade, os que não crêem nas palavras de Deus terão um castigo terrível. Deus é poderoso, punidor.
12. Diz aos que não crêem: "Sereis vencidos e reunidos no Inferno. Que má morada é essa!"
19. ... Quem não crê nas palavras de Deus será castigado, pois Deus é rápido em ajustar contas.
56. Aos que não crêem, atormentá-los-ei com um duro castigo nesta vida e na outra. Não terão quem os auxilie.
116. Os que não crêem, nenhum proveito tirarão ante Deus, nem das suas riquezas, nem dos seus filhos: esses serão entregues ao fogo e nele viverão eternamente.
130. Ó vós que credes! ... 131. Temei o fogo que se preparou para os infiéis.
141. ... Deus põe à prova os que crêem e aniquila os infiéis.


Será que a sharia também prevê a pena de morte para estes casos?

Comments:
Assunto interessante. Mas não se esqueça que outras religiões usam de punições para os que não aceitam a religião. Existem outras, como o judaismo, que em caso de casamento com alguém que não seja judeu, obriga a pessoa a abandonar sua religião sob pena de não ter o casamento. Todas as religiões são verdadeiras porcarias. Sem exceção. Abraço cordial.
 
É certo que há em muitas, senão em todas, as religiões aspectos com que não concordo ou que são mesmo chocantes. O que comentei sobre o Alcorão e o tratamento aí preconizado para os incrédulos não significa que considere as outras religiões forçosamente perfeitas ou melhores em todos os aspectos.
Mas, apesar de ateu, não posso concordar com a afirmação de que "todas as religiões são verdadeiras porcarias. Sem excepção." Não será generalizar demasiado?
 
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