quarta-feira, 25 de abril de 2007

Ibéria


As opiniões dividem-se sobre se o crescente domínio espanhol de sectores importantes da economia portuguesa é um mal ou representa novas oportunidades aliciantes. O que é certo é que algumas notícias assustam, como por exemplo saber que um deputado da nação pôde ser representante máximo em Portugal de uma empresa espanhola com particular importância no campo da energia. Pelos vistos não havia qualquer incompatibilidade em representar o povo português e simultaneamente representar interesses espanhóis em Portugal. Só perante a nomeação por outra empresa espanhola, esta última no campo da comunicação social, o ilustre deputado achou que era aconselhável deixar de o ser, não por achar que havia conflito de interesses, mas por limitações de tempo. Pelos vistos nenhuma lei prevê que estas coisas devam ser evitadas.

Devo esclarecer que nada me move contra a Espanha e os espanhóis, nem acredito na justeza do provérbio "De Espanha nem bom vento, nem bom casamento", porque é certo que às vezes vem de Espanha uma suave brisa cálida que não é má de todo. A sério, vivi e trabalhei em Espanha durante anos e só tenho a dizer bem da maneira como fui recebido e me trataram, admiro a cultura espanhola e defendo um bom relacionamento entre os dois países. Mas desejo e defendo que continuem a ser dois países e não se tornem num só.

Mas irritam-me imenso algumas confusões, assomos de iberismo ou falta de consideração pela nossa individualidade, pela nossa língua ou pela nossa existência como pais independente e diferente. Recentemente comprei um termoacumulador fabricado em Itália. Trazia instruções e garantia redigidas em português. Porém indicava: "Para quaisquer problema técnico, contatar" um endereço e um telefone de Barcelona! Felizmente o vendedor indicou-me o modo de contactar a assistência técnica em Portugal. Mais grave é o que se passa com um par de walkie-talkies, cuja garantia indica a quem recorrer em caso de problemas nos seguintes países: Bélgica, Holanda, Alemanha, Áustria, Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia, Polónia, Suíça e… Ibéria, para este último "país" com indicações em espanhol de como contactar o "Servicio Técnico".

Apesar de estarmos nesta data a festejar o 25 de Abril e não o 1.º de Dezembro, há que recordar o defenestramento do Miguel de Vasconcelos.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Democracias

Salazar era confessadamente antidemocrático. Detestava a democracia parlamentar multipartidária e certamente não concordaria com a célebre frase de Churchill quando este disse "Democracy is the worst form of government except for all those others that have been tried " , apesar de pretender apreciar a liberdade política na Inglaterra ao afirmar, depois de terminada a II Guerra Mundial, que as eleições que preparava em Portugal seriam "tão livres como na livre Inglaterra ” . Viu-se! Isto não impediu que um número considerável de cidadãos o tivessem elegido o melhor português de sempre numa votação recente que se pode considerar até certo ponto democrática, apesar de não representativa. É certo que se tratava apenas de um passatempo, mas o facto de os votantes terem escolhido para o 2.º lugar Álvaro Cunhal, que também não morria de amores pela democracia parlamentar multipartidária, leva a pensar, com todas as reservas devido à falta de representatividade reconhecida pela entidade promotora, a RTP, que um número considerável de portugueses não aprecia verdadeiramente a democracia, embora se possam dizer democratas. Enfim, talvez sejam democratas não praticantes. Se o primeiro inventou o conceito bizarro de “democracia orgânica”, o segundo, no extremo oposto do espectro político, era partidário das “democracias populares”. Ambos os conceitos têm o grau de democracia conhecido. Se o voto maciço em Salazar pode ter como causa parcial uma reacção às notícias de que a RTP teria alterado as regras do jogo, instituindo uma segunda fase de votação nos 10 primeiros, para tentar alterar a escolha já então maioritária de Salazar, a votação, ainda importante, em Cunhal não pode ter a mesma explicação e a verdade é que se muitos espíritos consideraram assustador a colocação de Salazar como o primeiro, não dei por admiração nem susto pelo segundo lugar conquistado por Cunhal.

Mas que dizer de quem combate as ideias que considera erradas vandalizando um cartaz que lhes parece condenável por defender, segundo afirmam, ideias reprováveis? Será que se consideram democratas? Claro que isto se refere ao cartaz afixado pelo PNR no Marquês de Pombal. Este meu comentário não significa uma concordância com o que o cartaz diz e menos ainda com o que muitos consideram que o cartaz defende, embora não o diga explicitamente. Mas ideias erradas combatem-se com ideias. O vandalismo de um cartaz, porque não se concorda com o seu conteúdo, é sempre reprovável. Ao menos o cartaz dos humoristas do Gato Fedorento representou uma resposta ao mesmo nível.

Os grandes movimentos de extrema-direita que marcaram as primeiras décadas do século passado, o nacional-socialismo alemão e o fascismo italiano, bem como muitos movimentos congéneres noutros países, caracterizavam-se pelo seu carácter violento e intimidatório. Os resultados foram, como é bem conhecido, trágicos. Actualmente, muitos movimentos conotados com a extrema-direita apresentam-se como democráticos e pacíficos. Se as desconfianças de que este posicionamento é apenas estratégico são justificáveis, não é com acções violentas, entre as quais incluo o vandalismo, que se pode combater o ideário que defendem. É pena não ter ouvido a mínima reprovação de nenhum partido, individualidade ou comentador que se considere democrático destes actos de vandalismo. Também não é com intimidação, e as alegadas ameaças de que os elementos do Gato Fedorento terão sido alvo são igualmente condenáveis.

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sexta-feira, 6 de abril de 2007

Recordações


Senti-me quase como Proust ao rememorar o sabor das madalenas molhadas em chá quando há dias ouvi a Valsa Lenta da Copélia de Delibes. Foi ao som desta área que passei, há muitos anos, momentos muito agradáveis, enquanto encantado seguia da galeria os passos de ginástica rítmica duma classe feminina de jovens que, na minha memória, eram todas encantadoras, sobretudo uma que, já não sei como, soube ser irmã dum meu colega de liceu. Nunca a vi de perto, só lhe seguia os movimentos elegantes, ao som da música de Delibes tocada ao piano, junto às restantes ginastas. Como eu frequentava nesse tempo uma classe de ginástica no Lisboa Ginásio, duas vezes por semana, depois das aulas, numa hora imediatamente antes da ginástica feminina, ia depois deleitar-me com a graciosidade dos passos das jovens ginastas.

Claro que nos muitos anos que se seguiram tive ocasião de ouvir várias vezes a Valsa Lenta, mas desta última vez, por qualquer razão que desconheço, a recordação dos fins de tarde na galeria da grande sala do Lisboa Ginásio foi mais viva e duradoura.

É assim, há melodias que têm um significado especial. Outras prendem-se a outras recordações por diferentes razões. Estas sensações acrescentam encanto às músicas que as suscitam.

Só para terminar gostaria de esclarecer que ainda não consegui ler o "A la recherche... " todo e que gosto de madalenas, gosto de chá, mas detestaria molhá-las e fazer com que fiquem moles e húmidas além de deixar o chá cheio de migalhas, por muito que possa custar à minha admiração pela prosa do Proust.

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