quarta-feira, 20 de setembro de 2006

Novamente a lição do Papa

A citação pelo Papa Bento XVI, na lição proferida no passado dia 12 na Universidade de Ratisbona, de declarações ditas em 1391 pelo imperador bizantino Manuel II Paleólogo suscitou violentas reacções de repúdio em alguns meios islâmicos. A frase em causa, que foi abundantemente citada, era:
«Ele [Manuel II] diz: "Mostra-me então o que Maomé trouxe de novo. Não encontrarás senão coisas más e desumanas, tal como o mandamento de defender pela espada a fé que ele pregava."»
Para tentar ajuizar da razão e da justeza das reacções, dei-me ao trabalho de ler na íntegra a lição do Papa, já que os excertos citados podiam, retirando a frase polémica do contexto, não permitir ajuizar se o pensamento do Papa poderia justificar a fúria dos muçulmanos.
Como não católico e não muçulmano julgo ter a independência necessária para ter uma opinião isenta sobre o diferendo.
O texto divulgado pelo Vaticano inclui a versão original em alemão e ainda traduções em inglês e em italiano.
Em alguns meios de comunicação em vez de "coisas más" a citação referia erradamente "coisas demoníacas" ou "coisas satânicas" , o que não corresponde ao que o Papa disse. A palavra dita pelo Papa em alemão foi "Schlechtes", que não significa demoníacas nem satânicas, mas sim "más". A versão italiana contém a palavra "cattive" e a inglesa "evil", que têm o mesmo significado. Ora convenhamos, que embora a afirmação do Paleólogo não seja lisonjeira para Maomé, as expressões "demoníacas" ou "satânicas" são muito mais fortes e mexem com a própria noção religiosa do Demónio ou Satã. No entanto não creio que tenha sido por erros de tradução que os muçulmanos, ou melhor, alguns muçulmanos se consideraram tão fortemente ofendidos, nem sabemos em que excerto e em que língua os ofendidos basearam a sua ofensa, pelo que a análise das declarações do Papa e das reacções suscitadas não se deve ter demasiado em conta esta diferença de palavras.
O fundamental é que a leitura do texto em nada leva a crer que o Papa concordasse com a frase do imperador bizantino citada. Todo o discurso é um libelo contra a violência, nomeadamente contra a violência para impor a conversão a uma religião, e uma dissertação sobre as relações entre a razão e a fé. Nem é afirmado pelo Papa que fosse uma prática do Islão essa de tentar impor a fé pela força. Ele só cita a afirmação de Manuel II a esse respeito.
Custa-me portanto a compreender as reacções extremas e as exigências de um pedido de desculpas. Mas também é difícil compreender as opiniões tíbias expressas por comentadores e até membros da igreja católica de que o discurso do Papa ou pelo menos a citação em causa foi infeliz ou de que ele deveria ter tido mais cuidado. Como no caso das caricaturas de Maomé, advoga-se precaução para não ofender a sensibilidade dos muçulmanos. Claro que não é correcto ofender alguém propositadamente e é infeliz fazê-lo por descuido, mas quando as sensibilidades são tão extremadas e tão contrárias à nossa maneira de ser teríamos de permanecer calados ou exercer uma autocensura drástica. Não me parece que as autoridades religiosas do Islão ou os que pretendem falar em nome do Islão tenham sempre esse cuidado para não ofender a sensibilidade dos cristãos. Nem por isso tenho visto os cristãos manifestarem-se violentamente (nem sequer pacificamente) nem queimar em efígie os muçulmanos que ameaçam os "infiéis e os cruzados". Claro que há opiniões mais moderadas, como a do xeque Munir, da comunidade islâmica de Lisboa. Também as declarações do Presidente do Irão, cujo nome não consigo fixar, foram surpreendentemente (ou talvez nem tanto) apaziguadoras, respeitosas e quase compreensivas. Mas por outro lado há ameaças de morte aos "adoradores da cruz" que, se não começassem já a ser tão habituais, seriam assustadoras mesmo para quem, como eu, não é adorador da cruz.
O argumento de que também os cristãos usaram a espada para difundir a sua fé também não me parece pertinente, já que o discurso do Papa também, sem se referir expressamente a esse facto, o condenava implicitamente pelo modo como expos o problema.
Parece-me simplesmente que há quem esteja atento a todas as declarações de responsáveis políticos ou religiosos, publicações e acontecimentos para descobrir qualquer indício cuja divulgação até à náusea possa ferir a sensibilidade dos seguidores do Islão e provocar tensão contra o Ocidente e o nosso modo de vida. Toda a nossa contenção não será capaz de travar esta táctica de afrontamento.

terça-feira, 19 de setembro de 2006

Quem sabe quem era o imperador Manuel II?

Como é que uma citação de uma declaração proferida no século XIV por um imperador bizantino, no qual muita gente nunca tinha ouvido falar, pode provocar declarações indignadas, manifestações violentas, queimas de efígies e ameaças de morte? E ainda páginas e páginas de jornais, horas e horas de notícias e debates, trocas de opiniões contraditórias? Estranho século este em que entrámos.

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

Poderes

A separação de poderes é um dos sustentáculos da democracia e, embora reconheça a esta muitos defeitos, penso, como Churchill, que é o menos mau dos regimes.
Um poder judicial forte pode não ser garantia absoluta de que o poder executivo proceda sempre bem, mas é importante para corrigir abusos. Por isso é importante que, no quadro da lei definida pelo poder legislativo, os tribunais possam ter a última palavra.
Vem isto a propósito do recente caso chamado caso Mateus.

Devo prevenir que não gosto de futebol, não me interesso por futebol, não percebo patavina de futebol e me aborrecem profundamente os casos, as polémicas e as discussões sobre futebol. Dantes tinha de aturar apaixonados debates quando ia ao barbeiro. Agora é nos jornais e na TV. Felizmente é ainda possível e legal passar por cima das páginas desportivas ou usar o botão mais importante do televisor: o de desligar (porque mudar de canal nem sempre é opção!). por isso, as considerações que se seguem são com certeza imprecisas e podem ser injustas e inapropriadas. No entanto não resisto a declarar que me sinto violentado ao constatar que uma entidade associativa internacional pode impor sanções graves a um sector de actividade com grande impacte económico por uma entidade nacional decidir recorrer aos tribunais contra uma decisão que a afecta e que julga injustificada. Refiro-me, evidentemente à FIFA e ao Gil Vicente. Não sei quem tem razão no caso Mateus que esteve na origem do diferendo, nem isso me interessa. O Gil Vicente pode não ter um átomo de razão. Mas se assim for, os tribunais deverão dizê-lo. Ora o que está em causa é a regra que pretende proibir a possibilidade de recurso a tribunais contra decisões de entidades, que por muito respeitáveis e importantes que sejam, não são infalíveis, e, para além disso, todo o sector poder ser fortemente penalizado por uma associação internacional se os que se julgam ofendidos não desistirem do pleito. Que eu saiba isto não acontece em qualquer outro ramo de actividade, mas pode acontecer no futebol!
Nem os governos escapam ao julgamento dos tribunais, se um cidadão que se julgue injustiçado a eles recorrer. Que eu saiba nenhum governo democrático e porventura poucos governos ditatoriais se atreveriam a recusar deste modo o direito do recurso à justiça. Mas o futebol pode fazê-lo.
Poderá o Gil Vicente ser castigado simplesmente por recorrer ao poder judicial de uma decisão que pensa errada? Terá a Federação Portuguesa de Futebol ou a Liga poder para sancioná-lo por esta decisão? Terá a FIFA poder para exigir da FPF um castigo exemplar para o Gil Vicente e decidir sanções que prejudicam outros clubes que não contribuíram para o caso? Francamente não compreendo.

Bem, reconheço que por ignorância da matéria posso estar eu a ser injusto e não ser bem assim.
Então muito agradeceria que alguém me esclarecesse.

Finalmente declaro solenemente que não é o meu reduzido gosto pelo futebol que me faz pôr estas dúvidas, pelo menos conscientemente. Se em vez do futebol fossa a canoagem , se em vez de desporto fossa arte, literatura, actividade económica ou política, a minha incompreensão seria igual. Só que desconfio que em nenhum destes sectores de actividade tal irracionalidade seria possível.

sábado, 2 de setembro de 2006

Depois da passagem do fogo





Voltei ao mesmo local, nos arredores de Aveiro, de que mostrei algumas fotografias tiradas há poucas semanas. Nessas fotos via-se muito verde, ervas e árvores verdejantes, borboletas a pousarem nos cardos.
Agora, exactamente no mesmo local, há terra coberta de uma camada negra, ervas queimadas, folhas secas, troncos chamuscados.
Soube pelos noticiários que o fogo andara por aí. Por telefonemas para gente da terra averiguei que tinha passado pelo menos muito perto da pequena mancha florestal e dos prados que cobriam o vale, mas só tive confirmação de que já não poderia repetir as fotografias no mesmo estado das mesmas árvores quando fui mesmo lá.
Felizmente a zona ardida não foi muito extensa, talvez porque mesmo de Verão o terreno retém muita humidade, já que o nível freático no local é bastante elevado. Aliás a zona de Aveiro tem sido relativamente poupada aos incêndios florestais porque é uma zona de minifúndio, em que as manchas florestais se encontram dispersas entre terrenos ainda cultivados pelo meio, a urbanização é muito difusa, vários acessos rústicos cortam os terrenos e o nível de humidade é elevado. Logo ao lado das áreas ardidas continua a haver florestas, terrenos com mato e culturas que foram poupadas ao fogo.
No entanto a desolação da área ardida está bem expressa na nova colecção de fotografias. Os rebentos verdes que emergem da camada de terra enegrecida são uma esperança de recuperação.

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