terça-feira, 31 de outubro de 2006

Lula e Energia: Disparates e imprecisões

Todos temos dias maus, como dizia há dias um secretário de estado a procurar justificar o injustificável. Também é verdade que os disparates e as imprecisões em meios de comunicação são infelizmente correntes. Mas pela concentração de casos destes, com certeza que o Diário de Notícias de 2006.10.30 estava num dia mau. Principalmente nos gráficos e nos conceitos científicos. Senão vejamos:

No bloco informativo sobre a reeleição de Lula no Brasil, é apresentado um gráfico muito bem feito e muito explícito sobre a evolução, em percentagem, dos 2 candidatos que foram à 2.ª volta, nas sondagens e nos resultados. Resta saber em percentagem de quê. Parece evidente que será a percentagem de intenções de voto nas sondagens e de votos reais nos resultados. Mas que votos foram escolhidos para 100%? A pergunta é pertinente, pois parece haver uma incongruência flagrante, pois se os resultados da 2.ª volta somados dos 2 candidatos somam 100%, isso indica que são percentagens de votos validamente expressos, isto é, excluindo os brancos e nulos. No entanto o mesmo critério não foi seguido para os números das sondagens, já que nunca somam 100%. Então os números não são comparáveis e não deveriam figurar no mesmo gráfico. Eu diria mesmo que não seria demasiado pedir que os valores apresentados sob forma gráfica sejam sempre definidos de modo a poderem ser bem interpretados.

No suplemento de economia (página VI do bloco "Especial Conferência DN Energia"), é apresentado um gráfico sobre "Dependência energética da União Europeia". Também muito bem feito e muito explícito. Pena é que se definam os valores apresentados para cada país como "Diferença entre o consumo e as importações líquidas". Os valores são dados em percentagem e novamente ficamos sem saber de quê. Parece ser percentagem do consumo, o que aliás é lógico para indicar a dependência energética e é confirmado pelo texto. Mas então não é uma diferença. Se por cada 100 unidades consumidas, importamos 99,40 - no caso de Portugal, para exemplificar - a nossa dependência é efectivamente 99,40%, mas isto não é uma diferença, é uma proporção. A diferença entre o consumo interno e as importações líquidas é 0,60% do consumo (100 - 99,40 = 0,60, não é?). Além disso, estranhei o valor negativo da Dinamarca, mas o texto elucidou-me explicando que este país tem um excedente energético. Aprendi pois que quando as exportações excedem as importações se chama importação líquida negativa. Já mais difícil de compreender é o valor superior a 100% do Chipre. Se importa mais recursos energéticos do que consome, o que fará aos 5,5% restantes?

Duas paginas adiante, ainda sobre o mesmo assunto, as unidades de produção, consumo e importação de electricidade são GHh! O H é o símbolo do henry, unidade de indutância. Gigahenrys.hora? Deverá ser, evidentemente, GWh (gigawatts.hora). Uma gralha é natural e desculpável. Mas mais abaixo, no gráfico de "Importações líquidas de energia", em que compara o consumo, as importações e a dependência per capita da Europa a 25 com os de Portugal em equivalentes de tonelada de petróleo, o consumo é inferior às importações. Então para que importamos tanto? Mas repete que a dependência é 99,4% (ao menos neste número é coerente com o artigo anterior). Claro que se os números estivessem certos, Portugal seria excedentário, como a Dinamarca. É indicada que a fonte é o Eurostat, mas parece-me que há qualquer erro na apresentação.

Mas a minha estupefacção não tinha terminado. Na última página do caderno de economia, a propósito da central solar da Amareleja, afirma-se: "Esta central irá produzir 88 gigawatts/hora de energia solar". Ora o que a central vai produzir é energia eléctrica. A origem é solar, mas quem produz energia solar é o Sol; as centrais solares, como as outras centrais produtoras, produzem energia eléctrica, ou melhor, neste caso transformam a energia solar (radiação) em energia eléctrica. Mais grave é o dado da produção: 88 gigawatts/hora! Ora a potência de uma central mede-se em watts, ou megawatts ou gigawatts. O "por hora" está pura e simplesmente errado. É como seu eu dissesse que a potência do meu automóvel é de 100 cavalos por hora ou que eu peso 60 kg/h. Ao fim dumas horas, imaginem a que potência chegaríamos! Mas o próprio valor de 88 gigawatts parece fora da ordem de grandeza do possível. Com base nos valores do mesmo suplemento, página VIII, o consumo de electricidade em Portugal é de 47959 GWh (a acreditar, como disse atrás, que o H resulta de uma gralha e não são GHh), entende-se que por ano. Ora o ano tem 8760 horas. Portanto a potência média consumida é de 5,5 GW. A potência da central da amareleja seria então 16 vezes o consumo total do país! Felizmente, acabei de ouvir no Telejornal que serão 88 megawatts e não gigawatts. Portanto duplo erro.

Mais tarde, na SIC Notícias, acertaram no número, mas erraram também nas unidades: "A central produzirá, numa primeira fase, 64 megawatts por hora." (Cito de memória; as palavras poderão não ter sido exactamente estas). Quando é que os senhores jornalistas que escrevem e falam sobre estes assuntos aprenderão que megawatts por hora é um grande disparate. A potência é um dado intemporal. A energia é que pode ser medida por unidade de tempo, como os nossos consumos domésticos de electricidade, que são dados em watts.hora.

Voltando ao suplemento do Diário de Notícias, uma crítica de outra ordem, não sobre aspectos formais mas sobre o próprio conteúdo, é a referência às alternativas energéticas, com depoimentos de vários especialistas nas páginas X e XI. Não consegui ver nem uma referência a custos comparados. Parece-me esta ausência uma falha importante, pois não permite que o leitor tenha uma visão fundamentada da viabilidade das diferentes alternativas.

Comments:
bom blog!
 
Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?