domingo, 14 de janeiro de 2007

Aborto

Prometi voltar ao assunto do aborto. Aqui vai a minha opinião sobre a questão.

1) Em primeiro lugar acho que o uso do eufemismo "interrupção voluntária da gravidez" para designar o aborto provocado só se pode justificar por se pretender dar uma maior elegância à expressão e evitar o sentido pejorativo e desagradável relacionado com a palavra "aborto". Havendo uma palavra em bom português para a interrupção da gravidez, para quê usar três palavras? Alguém diz "interrupção da vida" em vez de "morte" ou "interrupção voluntária da vida" em vez de "suicídio"? Claro que não. Então porque complicar no caso do aborto? Apenas para tornar o conceito aparentemente mais aceitável. Portanto defendo que o que está em jogo é o aborto provocado, já que o aborto espontâneo está, obviamente, fora de questão.

Porque é que os defensores da alteração da actual lei dizem "interrupção voluntária da gravidez", mas quando falam da interrupção voluntária da gravidez feita clandestinamente já preferem dizer "aborto clandestino"? Por coerência deveriam usar o mesmo eufemismo, mas esta diferença faz com que a interrupção da gravidez feita clandestinamente pareça mais repelente por ter associada a palavra "aborto" e retirado o adjectivo "voluntária".

Estas manobras linguísticas para induzir subliminarmente uma opinião favorável parecem-me totalmente condenáveis. E é muito lamentável que tal prática tenha sido introduzida e aceite no texto oficialmente aprovado da pergunta que vai a referendo.

2) Em segundo lugar, também me parece criticável a falta de correspondência entre o que é posto à consideração dos cidadãos no texto da pergunta do referendo e o que o Governo se propõe assumidamente fazer se o sim for maioritário. A simples despenalização da interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher até às 10 semanas, ou seja admitir que o aborto provocado deixe de ser penalizado, não pressupõe que este acto seja completamente liberalizado sem quaisquer condicionalismos e muito menos que possa ser feito a cargo do Serviço Nacional de Saúde ou financiado por este, ou seja, pelos contribuintes. Mas é neste sentido que vão inequivocamente as recentes declarações do Ministro da Saúde.

Sobre este aspecto, gostaria de ser muito claro no que se refere à minha posição:
Se as alterações legislativas que se pudessem vir a efectuar em caso de vitória do "sim" se limitassem a descriminalizar o aborto praticado, como parece decorrer da palavra da pergunta, eu seria a favor do "sim". Mas não é isso que se prepara, de acordo com as declarações dos responsáveis, e é por essa razão que não posso em consciência votar num sentido que abrirá caminho para facilitar e incentivar o aborto sem qualquer razão ou motivo que não seja o simples desejo da grávida. Não se estabelecem limites, não se prevêem, que se saiba, aconselhamentos desencorajadores obrigatórios nem propostas de alternativas, não se pretende ouvir a opinião do pai, como se o feto fosse propriedade da mulher de que esta pudesse dispor arbitrariamente e sem custos.

3) Em terceiro lugar, na minha perspectiva, o Serviço Nacional de Saúde serve para resolver problemas de saúde dos cidadãos. Ora a gravidez não é uma doença, não é um problema de saúde. Que se promova a vigilância e o acompanhamento da grávida, que se promova a preparação para o parto, que se procure realizar os partos nas melhores condições, tudo isso cabe no âmbito dos cuidados de saúde. Que se provoque o aborto em casos de perigo para a saúde da mãe ou de malformação, ainda é admissível e admitido. Por isso, estes actos podem ser considerados pelo Serviço Nacional de Saúde pago pelos contribuintes. Mas que se provoque voluntariamente o aborto sem questionar se existe razão válida para isso ou se tal desejo decorre de uma perturbação momentânea, de dificuldades ultrapassáveis ou de um simples capricho, já não me parece que possa ser considerado um cuidado de saúde. Dir-me-ão que não há mãe que queira abortar por simples capricho, que há sempre uma razão forte. Num mundo perfeito seria assim, mas então que a lei acautele os casos justificáveis, como já faz, eventualmente procurando e acrescentando outras razões consideradas válidas.

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