quinta-feira, 4 de maio de 2006

Bebidas alcoólicas 2

No seguimento das minhas considerações sobre consumo de bebidas alcoólicas publicadas ontem no meu blog, lembrei-me que há anos vi, exactamente no Diário de Notícias, duas notícias sobre o mesmo assunto contraditórias entre si, o que me levou a escrever uma carta ao DN, a qual nunca foi publicada.

A carta, de Novembro de 1999, era do seguinte teor:

"Meu caro DN

Aprecio há muitos anos o DN principalmente pelo interesse e precisão das notícias. É claro que o DN confia nas suas fontes, e compreendo que não se pode considerar uma falha do jornal a disparidade de dados colhidos de origens diferentes, sendo correcta a atitude do DN quando cita claramente a origem das notícias veiculadas.

No entanto não pude deixar de ficar chocado e intrigado com duas notícias publicadas com menos de uma semana de intervalo e que, na parte em que se referem à mesma realidade, me parecem completamente contraditórias.

No dia 14, com base em dados do Eurostat (últimos dados, de acordo com a notícia), no gráfico "Litros de álcool puro bebidos por ano por uma pessoa média com mais de 15 anos [* dados na maior parte de 1996 ou 1997 mas alguns antes]" Portugal (com cerca de 8 l/ano) aparece em 14.º lugar nos 18 países mencionados e em 13.º lugar no conjunto dos 15 países da UE, apenas acima da Finlândia e do Reino Unido. Os valores para os diferentes países situam-se entre cerca de 4,5 l/ano para o Reino Unido, a Islândia e a Noruega e os mais de 14 l/ano para a Itália.

Porém no dia 20 uma outra notícia, com base em "dados recentes", apresenta um panorama completamente diferente.

De acordo com o subtítulo, "Portugal lidera um quadro negro" e realmente, entre outros factos relacionados com o consumo de álcool, o quadro "Consumo de álcool per capita na UE" (fonte: World Drink Trends 1997) cita Portugal em 2.º lugar (nos dados referentes a 1996), com 11,2, logo após o Luxemburgo. Todos os outros países da UE, cujo cidadão médio na notícia do dia 14 bebia mais que o de Portugal, passam nesta notícia a beber menos. Os números mais recentes, de 1996, vão de 4,9 para a Suécia até 11,8 para o Luxemburgo. Por exemplo a Itália, que na outra notícia batia o recorde com 14, aparece aqui com uns modestos 8,2 em 11.º lugar! Ambas as colecções de dados se referem a álcool e não a bebidas alcoólicas, o que poderia explicar em parte algumas diferenças.

Se bem que os anos não coincidam completamente e se compreenda que dados estatísticos podem diferir conforme a amostragem, não se percebe como podem os dados ser tão díspares, conduzindo a conclusões opostas no caso do nosso País e de outros.

Repito que não considero o DN responsável por esta discrepância. Já no que se refere a algumas imprecisões no modo de apresentar os dados do dia 20, talvez a situação não seja a mesma. O quadro citado "Consumo de álcool per capita na UE" não especifica as unidades. Suponho que serão litros por ano, mas sem qualquer indicação tanto poderia ser assim como centímetros cúbicos por hora, galões por semana ou outra qualquer. A clara especificação das unidades é uma norma de boa prática em qualquer apresentação. Além disso os números referentes à Finlândia apontam no mapa para a Suécia, que não pertence sequer aos 15. Noutro quadro, "Hábitos por estado civil", a falta de unidades é mais grave, pois embora seja de supor que as primeiras linhas se referem a percentagens (suponho eu, visto que somam em cada coluna cerca de 100), não se percebe o que representam os totais; 1741 solteiros, 4208 casados e 596 outros são o quê? Uma amostra? Que eu conseguisse ver, o texto não esclarece. As notícias dadas assim deixam dúvidas que poderiam ser evitadas com um pouco mais de cuidado."

Portanto a confusão dos números aumenta: Pela notícia actual do Público citada conclui-se que o consumo de álcool (puro) por pessoa e por ano em 2005 anda pelos 8,7 litros, o que não anda longe dos números adiantados pelo Eurostat para 1996 ou 1997, mas que se afasta significativamente dos 11,2 l apontados pelo World Drink Trends para 1996. Se houve nestes anos uma diminuição tão notável de consumos (22% em 9 anos, segundo os números do mesmo organismo), aí está um facto que merecia ser salientado. E se, segundo o Eurostat, Portugal em 1996 ou 1997 com 8 l/ano ficava em 14.º lugar entre 18 países, como passou em 2005, com um consumo praticamente idêntico, para a 7.ª posição a nível mundial? Será que houve 7 países em que o consumo desceu tanto que nós, sem aumentar o nosso, subimos tanto na escala? Note-se ainda que o Eurostat definia acertadamente que o consumo médio por pessoa adiantado era referido a maiores de 15 anos. Nos outros casos, já que nada é definido, pode supor-se que se referem à população em geral.


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