sábado, 18 de fevereiro de 2006

Ainda sobre Ciência

O meu velho amigo João Furtado Coelho enviou-me estes comentários 
sobre as minhas considerações a propósito de "Ciência". 
Com autorização do dele, sem pagar direitos de autor, por me 
parecer que têm interesse e completam as minhas próprias ideias, 
aqui vão:


As tuas considerações parecem-me assaz judiciosas. Eu acrescentaria, talvez,
três pontos.
1. Muita gente tem esse hábito, ou mania, de asseverar: "A Ciência diz...",
"A Ciência mostra...", etc. Ora a tal "Ciência" NADA DIZ porque não tem boca
para falar! Nem nada mostra porque, para mostrar (aos seres humanos) é
necessário usar a fala, a escrita, ou a imagem, e a "Ciência", que não
"fala" por não ter boca, também não "escreve" por não ter mãos, nem
apresenta imagens por não ser "projector" de diapositivos, ou seja lá do que
for. Quem fala, escreve, ou apresenta imagens, são sempre INDIVÍDUOS, que
afirmam falar, escrever, desenhar ou projectar EM NOME da tal "Ciência". Mas
os Homens são, todos eles, falíveis e, não raro, carregados de preconceitos.
Talvez seja bom lembrar que "a Ciência tem as costas largas, mas os Homens,
não raro, as vistas curtas". É maçador ter de estar sempre a lembrar isto,
mas é um ponto que não vejo frequentemente batido. A tentação (nalguns casos
a "habilidade") de se escudar com a afirmação de que o que se diz "é
científico" é grande, e os "Filhos de Lenine" (por diabólica "habilidade")
lá o sabem e aproveitam bem, quando vêm clamar que têm o "Socialismo
Científico"...
2. É claro que a luta, na base de preconceitos pseudo-religiosos, contra as
doutrinas evolucionistas é estulta e só revela, da parte de quem a
empreende, um conceito demasiado estreito do verdadeiro sentido e
significado do impulso religioso da Humanidade. Mas não menos claro deveria
ser (sobretudo para alguns que se intitulam Cientistas e, portanto, parece
que deveriam ter mais obrigações intelectuais) que tais doutrinas, por
enquanto, ainda não explicam TUDO, ainda há processos que não conhecemos
bem, não sabemos bem como certas coisas se terão passado. O que não é razão
para largar o evolucionismo, mas sim para aprofundá-lo. Agora, lá que há
fulanos ("cientistas") que se apresentam perante o público com ares e
prosápias de que entenderam tudo, tim-tim por tim-tim, e de que têm a tal
"verdade absoluta" de que fala a senhora - isso é facto! Mas lá voltamos ao
mesmo: quem fala, não é a "Ciência", mas eles, pobres e limitados seres
humanos.
3. Quanto aos "mitos", religiosos ou outros - há-os bons e maus, como em
tudo o mais. E os grandes mitos religiosos tiveram e, de certo modo e em
certo sentido, ainda podem ter, as suas funções importantes. Houve um fulano
de grande peso na Ciência (não consigo lembrar-me do nome dele, nem sei se
não era o próprio Darwin...) que declarou: - "Se eu tivesse de descrever em
não mais do que duas ou três páginas a criação do Universo e da Vida -
copiaria as primeiras páginas do Génesis". Sinto-me maçado por me não
lembrar do nome do sujeito, mas era dos de maior peso, isso garanto. Mas a
idade tem destas coisas...
Abraço e votos de que continues a exercer com igual brilho a tua "vis"
opinativa.
J.
PS - Já agora fica sabendo que, em termos de querelas singularmente
estranhas, essa não é a única que tem ocorrido nos Estados Unidos! Houve
pelo menos outra que chegou aos tribunais (mais precisamente: a um tribunal
estadual!) e era sobre o verdadeiro valor da constante p. Invocando passos
célebres dos Livros dos Reis (Antigo Testamento), certos fundamentalistas
"bíblicos" queriam que fosse 3 - "porque assim o diz a Bíblia"! Outros,
matematicamente mais evoluídos e, quanto mais não fosse, mais amigos da
experimentação, diziam que não, não pode ser. Os "matemáticos" diziam que se
trata de número irracional, de valor aproximado 3, 14159... A verdade é que
a questão FOI A JULGAMENTO! E, como sabes, nos States, os Tribunais
funcionam com Júris. Encontrava-se, pois, todo um Estado dos gloriosos
States, bem como toda a Matemática vigente nesse Estado, pendente da sábia
decisão do sábio Júri. O qual, não sei bem porquê, acabou por se inclinar
para o tal valor estranho: 3, 14159... Ao ouvir a decisão do clarividente
Júri alguém (não me lembra se não terá sido o próprio Juiz) comentou, com
espírito (e "espírito" bem "matemático"): - "É com grande alívio que escuto
a decisão pois que, se o Júri tivesse optado pelo 3, isso significaria que
EM TODOS OS CARROS DESTE ESTADO AS RODAS SERIAM HEXÁGONOS!"
Eu já soube mais concretamente outros pormenores da história no tempo em que
ensinava. Agora, porém, encontro-me em, acho que merecida, reforma. Mas esta
é a essência da questão.
Seja como for, se te apetecer incluir alguma destas considerações no teu
Blog, na forma que entenderes (Carta ao Director, Carta ao Bloguista-Mor, ou
como é o termo, se é que há termo), podes usar, pondo a minha assinatura por
baixo, é claro, para que me não acusem de escrever anonimamente.

João Furtado Coelho

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